RELATÓRIO ESG PRECISARÁ SER ALINHADO COM OS BALANÇOS FINANCEIROS

01/07/2024

Fernando Dal-Ri Murcia, especialista em Contabilidade e Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e Membro do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS)


Novas normas do ISSB, previstas na Resolução CVM nº 193, determinam conexão entre as informações sobre sustentabilidade e as demonstrações financeiras das companhias


A prática do greenwashing – assim como acontece com o gerenciamento de resultados ou earnings management – é extremamente danosa para o mercado financeiro. Isto porque ela pode levar os provedores a tomar decisões (mislead) de alocação de recursos de forma equivocada.

Neste contexto, de combate a tal prática de manipulação do regime informacional, ganha especial relevância a nova normatização do tema a partir da criação pela Fundação IFRS, no ano de 2021, do International Sustainability Standards Board (ISSB). Tal órgão foi constituído justamente com o objetivo de desenvolver normas globais de divulgação sobre sustentabilidade de forma similar ao que já acontece com as informações de natureza financeira, por meio do padrão contábil IFRS – adotado no Brasil desde 2010.

Em junho de 2023, dando início ao processo de normatização da divulgação relacionada à sustentabilidade, o ISSB emitiu suas duas primeiras normas: a IFRS S1 – Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade (General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information) e a IFRS S2 – Divulgação de Informações relacionadas com o Clima (Climate-related Disclosures).

Ambas as normas, IFRS S1 e IFRS S2, se tornarão obrigatórias para as companhias abertas presentes no cenário nacional a partir do exercício social de 2026, com a possibilidade de adoção voluntária nos anos de 2024 e 2025, conforme determinado pela Resolução CVM nº 193, de outubro de 2023.

A partir deste novo ordenamento da sustentabilidade para companhias abertas, os Relatórios ESG precisão necessariamente conversar com os Balanços. Pesquisas acadêmicas recentes demonstram uma grande desconexão entre estes dois relatórios, como se a sustentabilidade fosse algo não relacionado com os aspectos financeiros da empresa.

Não há dúvida de que houve grande evolução nos Relatórios ESG das companhias abertas nos últimos anos. Contudo, estes ainda são pouco utilizados por participantes do mercado quando das decisões de alocação de recursos.

Esta baixa utilização não parece ser um desinteresse sobre o tema, afinal os recentes casos envolvendo fraudes, desastres ambientais e condutas ilícitas perante colaboradores e clientes demonstra que os temas ESG podem sim impactar os fluxos de caixa futuros da sociedade e a sua continuidade operacional.

O problema, ao que tudo indica, é outro: grande parte das informações divulgadas nestes relatórios não atende às necessidades de informações do mercado de capitais, sendo que há uma percepção dos participantes de que existe um alto grau de greenwashing.

No âmbito das referidas normas internacionais esta conexão entre o ESG e os Balanços será obrigatória. Até porque as divulgações são destinadas às necessidades informacionais dos acionistas e credores. O objetivo das divulgações é auxiliar tais usuários a tomarem decisões econômicas relativas à compra, venda e manutenção dos valores mobiliários emitidos pelas companhias abertas.

Neste contexto, as empresas deverão explicar como os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade podem impactar seus fluxos de caixa futuros. As divulgações devem ser realizadas considerando o modelo de negócios, a estratégia da companhia e a forma como ela faz a gestão dos riscos ESG.

Outro aspecto de suma importância é a obrigatoriedade de auditoria das informações sobre sustentabilidade. Apesar de diversas companhias possuírem Relatórios ESG auditados, o padrão utilizado atualmente, é o da “asseguração limitada”. Neste sentido, como a CVM prevê a “asseguração razoável” das informações a partir do ano de 2026, as exigências dos auditores tenderão a ser bem maiores, incluindo questões relacionadas aos controles internos das companhias.

Neste cenário, ganha especial atenção a chamada “governança da sustentabilidade”, incluindo tanto os órgãos responsáveis pelo monitoramento e supervisão destes riscos – dentre eles o Conselho de Administração e seus comitês de assessoramento – como também as políticas e procedimentos para garantir a confiabilidade daquilo que é divulgado ao mercado.

A recomendação é que a informação sobre sustentabilidade siga os mesmos procedimentos e ritos que hoje são adotados para a divulgação das demonstrações financeiras, incluindo o estabelecimento de controles internos robustos, as linhas de defesa, o apoio de especialistas externos etc.

Em conclusão, a introdução das normas ISSB no Brasil, a partir da Resolução CVM nº 193, será uma revolução nas divulgações de sustentabilidade das companhias abertas. Ao que tudo indica, o greewashing no mercado de capitais está com sua morte anunciada.


Fonte: Madeira Total