Desmonte de posições de ‘carry trade’ no Japão e risco de recessão nos EUA derrubam mercados

07/08/2024

A expectativa é pela abertura dos mercados nesta terça-feira (06), que pode indicar se há potencial, ou não, para novos ajustes nos preços dos ativos.


Não faltaram emoções nos mercados globais neste começo de semana. A volatilidade foi intensa. O VIX, conhecido por ser o ‘índice do medo’ chegou a 65 pontos. No Japão, de onde começou a se formar a onda de medo que abateu outros mercados, o índice Nikkei chegou a cair 13,47%, o maior tombo diário desde 1987. O Ibovespa e outras bolsas de emergentes não ficaram fora da maior aversão a risco e amargaram mais um dia no vermelho, assim como o dólar, que mostrou sua força e bateu R$ 5,86. Ao final do dia, houve uma certa acomodação e a intensidade da onda perdeu força. A expectativa é pela abertura dos mercados nesta terça-feira (06), que pode indicar se há potencial, ou não, para novos ajustes nos preços dos ativos. Ontem, o Ibovespa fechou em queda de 0,46%, a 125.269 pontos. A maior queda nos Estados Unidos foi no Nasdaq Composite, de 3,43%, seguido do S&P 500, que fechou com recuo de 3%, e do Dow Jones, com menos 2,60%.

Na visão do gestor de multimercado da Kinea, Ruy Alves, o que houve foi um grande “desmonte de posições”, iniciado no Japão, mas que acaba afetando outros mercados. “A reprecificação dos ativos pode ser explicada por um volume muito grande de desmonte de posições de carry trade”, explica Alves. O carry trade ocorre quando investidores compram ativos em mercados com juros baixos, como é o caso do Japão, para aplicar em outros mercados que tenham juros mais altos, ou até mesmo comprando ativos de maior risco.

Alves lembra que as posições montadas no iene estavam muito grandes e por muito tempo. “Com a reversão de expectativas após o Banco do Japão subir a taxas de juros, o Fed reforçar a mensagem de cortes na taxa americana a partir de setembro, e de um payroll um pouco mais fraco, os investidores correram para desfazer posições”, explica o gestor da Kinea.

Sobre a queda do índice Nikkei 225, da Bolsa japonesa, que chegou a recuar mais de 13% nesta segunda-feira (05), puxando outros mercados para baixo, afirma: “Não é nada de fantástico, é simplesmente algo que responde à lei da oferta e demanda no mercado, porém com volumes expressivos porque as posições desfeitas eram enormes”.

Embora afirme que é sempre difícil prever quando a volatilidade nos mercados volta a níveis normais, Ruy Alves afirma que mesmo o risco de uma recessão nos Estados Unidos está sendo exagerado. “Não há nenhum indicador da economia que confirme isto, nada. O VIX chegou a bater nesta segunda em 65 pontos, mas já retornou ao nível de 37. Foi acalmando.”

A expectativa da Kinea é de corte no juro americano a partir de setembro e de Selic estável em 10,50% até dezembro. “Mesmo no câmbio, vejo o real resistindo bem nos últimos dias. E se o juro americano cair e o nosso ficar estável, será positivo para a moeda local. Nós encerramos a nossa posição aplicada em juros americanos com essa visão de que não tem mais espaço para surpresa, não tem assimetrias grandes a serem exploradas.”

Jennie Li, estrategista de ações do Research da XP, tem visão semelhante e ponderada sobre o dia de ajustes globais, com saída das bolsas e compra de dólar, um movimento defensivo. Ao longo do dia, comenta a especialista, “o dólar se fortaleceu bastante diante das outras moedas. O primeiro e o principal fator foi o temor de recessão nos Estados Unidos.”

Embora os dados de sexta-feira (02) sobre o mercado de trabalho tenham preocupado investidores, nesta segunda o ISM de serviço veio acima das expectativas. “E acima da faixa do número de 50 indicando expansão nesse setor. Logo após houve uma certa recuperação tanto nas bolsas e nas treasures”, comenta Jennie, acrescentando a mudança nos juros do Japão. “O mercado faz a operação de carry trade, que é emprestar de economias, contar juros baixos para aplicar, ou seja, investir em economias com taxa de juros mais altas, que é o caso de mercados emergentes. Com essa elevação de juros pelo Japão, fez com que várias dessas operações de carry trade fossem desmontadas rapidamente.”

A especialista da XP acrescentou que a temporada de balanços do segundo trimestre já começou e reflete no desempenho da bolsa. “Os resultados das big techs que já saíram têm vindo acima das expectativas, mas com uma margem, uma surpresa de lucros muito menor do que esperado e uma projeção daqui para frente um pouco mais fraca. Lembrando que a gente entrou nessa temporada de resultados com expectativas muito altas, com o mercado muito otimista”, explica.”

Sobre os próximos dias, comenta Jennie Li, “quando a gente tem esses movimentos muito fortes de aversão a risco, com quedas muito bruscas de ativos, tende a ver um pouco de recuperação nos dias seguintes”, afirma, pontuando que grande parte do movimento desta segunda foi “um pouco exagerada”.


Recessão e juros

Nesta segunda, o que segurou uma subida maior do dólar foi a especulação de que haveria mais cortes do que o mercado vinha prevendo no último mês, e com o início do ciclo sendo de 0,50 p.p, visando tentar amenizar a situação econômica e uma possível recessão na principal economia do mundo.

Para Hudson Bessa, professor de finanças e mercado financeiro da FIPECAFI, com esse aperto monetário nos EUA e a política monetária no Japão mudando de rumo, aumentando o custo de operações especulativas na Ásia, houve um ambiente para iniciar um medo de recessão mais forte. “Com tudo isso, vem as perguntas, será que a Bolsa está cara? Será que a gente vai entrar num processo de recessão? E em meio a essas dúvidas você começa a fazer o quê? Entra na estratégia defensiva. Está havendo um movimento excessivo de aversão a risco, muito em busca de proteção dado a isso”, comenta o economista.

Para Bessa, embora haja espaço na economia norte-americana para um corte maior do que o previsto inicialmente, que já não faria tanta diferença visto que a taxa permaneceria alta, a recessão é mais um temor do que uma possibilidade tão próxima. “Talvez tenha mais uma acomodação do que uma recessão. Entre a economia perder eficiência, andar mais devagar, e entrar em recessão, tem uma distância grande. Acredito que hoje, o que temos, é uma onda de aversão a risco, muito movimentada, insuflada por expectativas bastante pessimistas e especulação”.

O que há no mercado é uma diferença entre preço e valor. Havia preços que estavam muito altos, como as sete magníficas, cripto, os metais, e provavelmente, agora com algum ruído sobre recessão, esses investidores estão com medo e fazendo apostas defensivas, um movimento de venda. “Óbvio que um movimento de reprecificação muito forte pode criar muito ruído e ele pode desajustar a economia até provocar uma recessão, dependendo do cenário econômico como um todo”, pondera Bessa.


Tendência altista do dólar

A moeda americana, conhecida por ser um porto seguro para investidores, voltou a se valorizar diante do real e outras moedas. Na visão dos especialistas, a tendência para o restante de 2024 é de alta, mas não há consenso sobre a magnitude do movimento.

Nesta segunda-feira (05), a moeda estrangeira chegou a R$ 5,8647, desacelerou o movimento e fechou quase estável, com variação de -0,06%, a R$ 5,7240. A mudança de paradigma no Japão, com o Banco Central deixando o terreno do juro negativo para positivo, o que não acontecia desde 2008, foi determinante.

“Isso realmente é uma mudança gigantesca, porque quando a gente escala as moedas mais seguras do mundo, a primeira, a gente sempre fala que é o iene, então quando você fala da moeda mais segura do mundo, algo que mexe com ela aconteceu e ninguém falou nada, depois o Franco Suíço e em terceiro o dólar”, comenta Alexandre Viotto, head de banking e câmbio da EQI Investimentos.

Segundo Viotto, o que acontecia é que muitos investidores iam até o mercado japonês, “pegavam dinheiro emprestado”, dado que a taxa de juros é negativa, e o banco japonês comercial entregava esse recurso um pouco acima do zero, mas bem barato, e os investidores usavam para aplicar em outros investimentos. Quando ocorreu a mudança nos juros, foi dado um sinal Japão,lho de que esse funding barato, carry trade que esse investidor tinha, sumiu. “Muito desse problema que houve essa madrugada foi por conta disso. Caiu a ficha de que, com a alta da taxa de juros aqui no Japão, as ações tendem a ficar mais caras no país. Além dos rumores após os dados de sexta de que o mercado americano não está tão bem”, comenta o executivo da EQI.

Outro fator que tem contribuído são as tensões geopolíticas que têm voltado aos holofotes, como os conflitos no Oriente Médio, que também mexem com o petróleo. Após essa valorização no dia, o que freou a alta do dólar frente ao real foi a possibilidade de três cortes nos juros dos EUA pelo Federal Reserve, sendo o primeiro de 0,50 p.p em vez de 0,25 p.p. Viotto pondera, no entanto, que é tudo especulação do mercado, já que não há nenhuma sinalização oficial. Embora a moeda estrangeira tenha diminuído a valorização nesta segunda, as perspectivas para o ano ainda são pessimistas para o real.

“Se fosse para apostar, temos falado com os nossos clientes que sim, vai subir mais, e recomendado fortemente que eles façam hedge. Principalmente o importador ou o cliente que tem obrigação inversa, que faça hedge para se proteger dessa desvalorização do real. O principal motivo aqui na EQI para achar isso é a questão fiscal”, comenta Viotto.

Alguns especialistas têm precificado que o dólar se aproxime dos R$ 6 ao final de 2024. Já outros, como a B&T, embora acreditem que a moeda estrangeira permaneça em alta, em relação ao limite de valorização, esperam que pelo menos algumas das variáveis que têm afetado a moeda encontrem um ponto de convergência e de certa pacificação. “Não é esperado que todas essas variáveis continuem tensionando o câmbio. A parte da geopolítica, muito provavelmente, vai ser ajustada em breve. Não em termos de pacificação, o fato aqui é que há um risco iminente de oferta, de petróleo, especialmente”, aponta Diego Costa, head de câmbio para o norte e nordeste da B&T Câmbio. “Então, quando a gente fala sobre o dólar a R$ 6, precisaria que todas essas questões continuassem causando tensão. Então, não é o natural.”

Para o semestre, ainda há muitos fatores que devem influenciar o câmbio, como as eleições nos EUA, o fiscal no Brasil e a decisão de quem substituirá Roberto Campos Neto como presidente do Banco Central. Com tantos eventos que estão em andamento ou para ocorrer, a tendência é de um real desvalorizado. Com isso, as apostas em hedge têm aumentado, especialmente para os importadores, segundo os especialistas.

Há um ano, a posição de hedge tinha metade do atual tamanho, cerca de US$ 40 bilhões na última semana de junho. Grosso modo, a posição comprada em dólar via derivativos (*dólar futuro, swap cambial, cupom cambial e dólar mini) é vista como uma aposta contra a valorização do real.

Normalmente, quem se preocupa mais com dólar é o importador e quem tem dívida em dólar lá fora. Já para o exportador, quanto mais alto estiver o dólar, melhor. Costa, da B&T comenta que o que tem percebido, não diretamente em relação à proteção em si, mas em uma questão de maior previsibilidade, especialmente quando falamos de uma operação vinculada a uma exportação, por exemplo, o importador, o perfil do cliente que compra a moeda estrangeira, ainda está segurando bastante a posição, porque a cotação realmente está muito alta.

“É complicado ficar travado no dólar a R$ 5,80, por exemplo. Para alguns players que possuem um custo operacional, um custo de produção já relacionado a esse momento atual, e que ele precisa redear alguma coisa, ele sim tem procurado opções, swaps cambiais, e também em futuros, que tem sido o produto mais procurado, por enquanto”, comenta o head de câmbio da B&T.


Fonte: Capital Aberto